Por:
Cintia Carvalho J. Vieira - Psicóloga Clínica
Rio
de Janeiro, 29 de março de 2025.
No último mês a minissérie ADOLESCÊNCIA, fenômeno da NETFLIX, ganhou olhares atentos e elogios dos mais diversos espectadores. A minissérie conta o
drama de uma família que é surpreendida pela acusação de que filho Jamie
(Owen Cooper) de 13 anos seria o autor da morte de uma colega de turma. Jamie
vive com os pais e a irmã mais velha, com todo suporte de uma família de classe
média. O que chama atenção do público e intriga os investigadores é a motivação
do crime que com ajuda de um adolescente é elucidado.
Stephen Graham, um dos criadores da
série explica que embora não se trate de uma história real a série foi
inspirada numa constatação dramática de uma crise real: As adolescentes do
Reino Unido estão sendo mortas e a motivação seria a cultura misógina e o
movimento dos Incels nas redes sociais. O termo cunhado nos anos 90 é uma
abreviação de celibatários involuntários e se baseia na ideia de que as
mulheres são culpadas por todo fracasso sexual dos homens e refere a elas ódio
e acusações infundadas. Mas o que a série tem em comum com o pai que jogou o
filho da ponte?
No último dia 25 um pai de 40 anos foi
preso por assassinar o filho de 5 anos após jogar a criança de uma ponte no Rio
Grande do Sul. Em depoimento, disse que matou o filho como forma de se vingar
da mãe da criança, sua ex-companheira. O plano A, segundo ele, era matar a
mulher e o namorado, mas desistiu. Após
o homicídio, Tiago enviou uma mensagem de áudio à ex-companheira informando o
que havia feito. “Viu, gúria, seje forte. Fiz uma loucurinha agora, tá?
Guenta o coração agora para o resto da vida. Atirei o Théo lá embaixo da ponte
agora”. A mulher foi ouvida pela
polícia e relatou que o acusado era possessivo, ciumento e não tinha episódios
de agressividade, embora já houvesse registrado ocorrência conta o ex.
Por que o término de um relacionamento
ofende tanto os homens que eles acreditam que tem o direito de castiga-las?
Afinal, em toda história, são eles que traem, as humilham e cometem todo tipo
de violência.
A lógica dos homens se sentirem
ofendidos e dirigirem tanto ódio e violência quando uma mulher decide terminar
um relacionamento vem da mesma tese que culpabiliza as mulheres dos fracassos sexuais
dos homens. Nesse discurso machista o homem é o único que não pode perder, ele
é quem dita as regras, um ser de supremo poder e nega a mulher o direito de
existir, como tantos outros direitos que foram e ainda são negados. Numa
sociedade machista são os homens que criam as leis, em benefício próprio numa
tentativa de dominação. As mesmas leis que as tornam objetos e durante muitos
anos negou o direito ao estudo, ao trabalho, ao voto, ao divórcio e que ainda
nega o direito de optarem pela interrupção da gestação, a salários que façam
jus a dupla e tripla jornada de trabalho e, sem contrapartida, não oferece quaisquer
tipos de suporte efetivo que leve em conta a saúde e o bem-estar da mulher. Ao
contrário, a luta do feminismo permanece em busca de igualdade.
A gente mata uma mulher toda vez que
tenta justificar um abuso, quando um Daniel Alves é absolvido, um Neymar é
idolatrado, quando rivalizamos em busca do príncipe encantado, ridicularizamos
os corpos das nossas iguais, agimos preconceituosamente com as mais diversas formas
de masculinidade, quando permitimos que os discursos opressores façam parte da
rotina das nossas crianças, quando usamos nosso voto para elegermos pessoas com
discursos de ódio, claramente sem interesse pela pauta feminista e quando deixamos
os algoritmos educarem nossos filhos.
O machismo acabou de matar um filho,
cujo assassino era pai que não aceitou o fim do relacionamento.
A misoginia mata todos os dias porque é
filha do machismo, fruto do ódio que se atualiza aceleradamente.
Precisamos trazer a luz esse tema nas
nossas casas, com nossos maridos, filhos, nas escolas, nos espaços públicos e nas
instituições. É urgente!
A constatação é real: Mulheres de todo
mundo estão sendo mortas e, diretamente, os filhos e a culpa é do machismo.
Esse texto é dedicado a memória de
Jaqueline Araújo, brutalmente assassinada pelo ex-namorado em 22/03/2025.